Programa foca a vida depois do câncer

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Em uma sala colorida, as cadeiras em roda dão o tom da conversa. Embora esteja em um hospital, o papo não é de doença. Curados de um tumor, ex-pacientes passam por orientação com médicos, nutricionistas, psicólogos, enfermeiros e até um coach no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O programa, inédito no Brasil, revela uma tendência internacional: a de colocar o foco nos sobreviventes do câncer.

Antes visto como atestado de óbito, o câncer teve a imagem mudada com o avanço das terapias. Mas sobreviventes - cada vez mais numerosos - têm dúvidas sobre alimentação e exercícios, medo de a doença voltar e até necessidade de desintoxicar após drogas agressivas.

"Eu me sentia muito desamparado, queria ter alguém que pudesse olhar o todo e, principalmente, para minha cabeça. Passei a ter medo, uma insegurança absurda", conta o diretor de vendas João (nome fictício), de 35 anos. Em um exame de rotina, descobriu um câncer no rim, em fase inicial. O tratamento não foi complicado - cirurgia, mas não precisou de quimioterapia. Apesar do desfecho positivo, não conseguiu retomar a rotina sem pensar na doença.

Primeiro paciente do programa Survivorship do Einstein, lançado este ano, João passou por um time de especialistas. Enquanto a médica o tranquilizava sobre a chance baixa de voltar o câncer, o coach o ajudava a detectar suas principais dificuldades. Ao final, ele mudou principalmente os hábitos alimentares. "Passei a cuidar mais da alimentação e me sentia mais protegido. Há uma vida depois, que pode ser até melhor."

O programa surgiu da demanda de pacientes "órfãos" ao fim do tratamento. A frase "agora, vida normal" após a alta não se refletia na prática. "Despimos o paciente de tudo o que ele sabia sobre como se cuidar. Quando isso acaba, ele se pergunta: 'Como assim não preciso de mais nada? ", diz Denise Tiemi Noguchi, médica do Einstein.

Os sobreviventes passam por cinco encontros e, ao fim, podem ser encaminhados a atendimentos específicos. "A ideia do programa é ouvi-lo, que ele coloque o que é possível fazer e o que é prioridade. Juntos, desenhamos um plano de cuidados e, com base nisso, começamos a orientá-lo", diz o coach de saúde do Einstein, Fábio Romano.

Iniciativas

Comuns nos Estados Unidos, propostas do tipo ganham espaço no País. No Kurotel, clínica em Gramado (RS), há um programa para pós-câncer. Lá, sobreviventes ficam "internados" por uma semana e têm contato até com uma horta. "A ideia é curar o estilo de vida, a forma de se relacionar com a saúde", diz Mariela Silveira, diretora médica do Kurotel.

"Ensinaram a fazer meditação, mudar a alimentação", lembra o professor Donald Kerr Júnior, de 55 anos. Após um câncer de próstata e sessões de quimioterapia e radioterapia, se sentia debilitado - física e emocionalmente. "Tinha medo da morte, de não conseguir vencer e ficar preso em um hospital."

Oncologista do Hospital Sírio-Libanês, Olavo Feher destaca aspectos sociais. "O tratamento, mesmo com cura, pode afetar relacionamentos. Isso demanda trabalho psicoterápico." O Sírio, diz, estuda sistematizar as práticas de atenção a esse público. A BP (Beneficência Portuguesa) também planeja ampliar um centro de bem-estar para sobreviventes.

Superação

Após vencer um câncer de mama em 2011 e uma recidiva em 2015, a cuidadora de idosos Maria de Fátima Souza, de 52 anos, descobriu que ainda tinha desafios. Com a retirada da mama esquerda, perdeu parte do movimento de um dos braços, além de sequelas psicológicas. Paciente do A.C. Camargo Cancer Center, ela foi encaminhada para um grupo recém-criado no hospital na época: a fisiodança - fisioterapia em grupo que mistura exercícios da terapêutica com música e dança. Além de ajudar a recuperar movimentos, foi uma psicoterapia.

"A gente dançava, ria e chorava ao mesmo tempo, trocava experiências. Era um momento que me sentia acolhida e não só em um tratamento, tanto que não vejo o hospital como lugar de dor, mas de cura e de amizade." No A.C.Camargo, o cuidado ao sobrevivente envolve uma equipe multidisciplinar, com profissionais como fonoaudiólogos e psiquiatras. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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