Nos trilhos da vida

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Nos trilhos da vida
Foto: Edson Dias e acervo pessoal


Nos trilhos da vida


“Sou querido pelas pessoas e se eu for lembrado por elas assim, já está bom. Temos que levar paz às pessoas, pois não ganhamos nada sendo bravos ou rancorosos. Acho que deu tudo certo na minha vida e na hora certa”.

Foi durante a entrevista que eu tive a certeza de que essa seria uma das matérias mais especiais que já escrevi. A cada resposta, o entrevistado foi interrompido centenas de vezes por pessoas que passavam em frente a sua barbearia e faziam questão de dizer: “Oi Lelo”, “Tudo bem Lelo?”, “Vai ficar famoso hein Lelo!” e assim aconteceu, durante os 44 minutos e 52 segundos em que conversamos.
Sempre com um sorriso no rosto e alegria no olhar, ele fez questão de retribuir o cumprimento de cada um e até parou por um instante para receber o médico ortopedista que o acompanha, Dr. Frederico Vieira da Cruz.
Diante do grande desafio de traduzir em sete páginas 85 anos de uma história belíssima e inspiradora, apresento a vocês o senhor José de Doriguelo Gaiotto, carinhosamente conhecido como Lelo.
Em 1947, Lelo começou a escrever sua história profissional. A pedido da mãe foi trabalhar em Boituva no bar de um tio. Ficou lá sete meses e seis dias e voltou para Cerquilho. Questionado por ela sobre o que ia fazer da vida, ele respondeu que não sabia, afinal de contas, tinha estudado somente até a quarta série.
“Ela sugeriu que eu aprendesse o ofício de barbeiro. Assim, em abril de 1947, iniciei na profissão. Aprendi tudo por curiosidade, pois naquela época não havia escola ou curso. Me ensinaram a fazer a barba e devagarzinho fui aprendendo a cortar cabelo. Somente anos mais tarde fui para São Paulo fazer um curso”, recorda.

No ano de 1955, Lelo trabalhava com Jacinto Rodrigues e, em um domingo, recebeu do patrão uma proposta que mudaria sua vida, “ele me disse que a partir de segunda-feira eu seria o dono e me pediu seis contos de reis. Eu era muito novo, tinha apenas 17 anos. Conversei com meu pai, ele arrumou o dinheiro e eu comprei”.
A barbearia ficava na Rua Dr. Soares Hungria próximo ao prédio onde hoje está a Sorveteria Higlu. Na segunda-feira, às 8h da manhã, o então prefeito da cidade, Antonio Souto, chegou ao estabelecimento. “Ele perguntou pelo Jacinto e eu expliquei sobre a venda. Disse que se ele quisesse cortar comigo teria o maior prazer e que se não quisesse poderia procurar outro barbeiro. Ele concordou e se propôs a ficar comigo no salão o dia todo para me ajudar a conquistar novos clientes. Meu segundo freguês foi João Pilon e assim comecei minha vida”, destaca Lelo.
Nesse local, a barbearia ficou por nove anos. Depois houve a primeira mudança e ele passou a atender os clientes no espaço onde hoje está a loja Patrícia Modas. Ficou por lá 17 anos, até que em 1975 voltou para a Rua Dr. Soares Hungria e instalou a barbearia no prédio atual.

Pelas palavras do médico que atendeu sua mãe na Santa Casa de Misericórdia de Tietê, em 24 de março de 1933, essa matéria não poderia ter sido escrita. Sua mãe entrou em trabalho de parto e foi acompanhada por uma parteira por mais de cinco horas, depois de dar o caso como perdido, ela foi encaminhada ao hospital e atendida pelo Dr. João José Rodrigues.
“O médico nos examinou, chamou meu pai no corredor do hospital e disse: “Esposa você só tem uma, filhos pode ter quantos quiser, eu garanto a vida dela, mas do seu filho não” e hoje estou aqui, com 85 anos (risos). O médico me deu 24 horas de vida”, descreve.

Filho mais velho de quatro irmãos (José, Claudio Antonio Gaiotto, Ivone Gaiotto e Maria Ignez Gaiotto Demartini), toda sua infância aconteceu nas imediações da Rua Dr. Campos, próximo ao antigo cemitério de Cerquilho.
A família morava no Jardim Nossa Senhora de Lourdes. Seu pai, Lourenço Gaiotto, trabalhava na Estrada de Rodagem, atual DER, no trecho entre as cidades de Cerquilho e São Roque, enquanto sua mãe, Maria Antônia Doriguelo Gaiotto, cuidava dos filhos e dos afazeres domésticos.

Aluno nota 10!

Lelo fala com orgulho dos tempos de escola e do quanto era um aluno aplicado, “estudei no João Toledo, o diretor era Lourival Alves Barbosa e minha professora era de Tietê, Dona Nizia – há de existir professor melhor, mas igual não é fácil. Eu era o melhor da escola, não da classe. Gostava de matemática, geografia, ciências, mas de desenho eu não gostava muito não. Fui convidado pelos professores para estudar, mas como meu pai não tinha condições financeiras, precisei parar”.

Um amor pra vida inteira!

“Vivemos juntos por 62 anos, 9 meses e 3 dias e ela morreu nos meus braços.”

Lelo conheceu sua esposa Olga Ajar quando eles ainda eram crianças, mas confessa que desde essa época, já se olhavam. Anos depois, em 02 de novembro de 1950, uma amiga os aproximou, dando início a uma linda história de amor. Após cinco anos de namoro veio o casamento, no dia 11 de dezembro de 1955 e, dois anos depois, no mês de janeiro, tiveram o primeiro filho.
Para a surpresa do casal, o ano de 1957 ainda reservava outra boa notícia, “a avó da minha esposa disse que quando a mulher estava com filho recém-nascido não ficava grávida de novo. Disse para ela ficar sossegada e em dezembro nasceu minha filha (risos)”.
Juntos, Olga e José tiveram quatro filhos (Washington, Nádia, Lourenço e Rogério). “Passeamos bastante e conhecemos muitos lugares. Nunca fui rico, mas também não deixei faltar nada a minha família graças a Deus. Quando eu fazia alguma coisa errada ela me chamava de Zezinho e me corrigia. Há quatro anos ela faleceu e durante cinco anos e meio eu cuidei dela. Sou feliz, mas sinto muito a falta da minha mulher”.
Com oito netos, cinco bisnetos e mais um que logo irá nascer, Lelo se recorda o quanto os almoços em família eram bons e que no Natal ninguém ficava sem presente. “Esta vida é muito boa, acho que nem mereço tanto. Tenho bom relacionamento com meus irmãos, estou contente com tudo e vivo o agora, pois temos que aproveitar a vida agora”, pontua.

O verão de 1948 marcou a vida de todos os cerquilhenses para sempre!

“Era uma sexta-feira e eu estava trabalhando, às 16h um amigo passou no salão e me chamou para ver o incêndio no vagão do trem. Ele insistiu tanto que eu deixei o cliente na cadeira e sai. Bravo, o homem se levantou, limpou o rosto e foi embora graças a Deus. Com o impacto da explosão, o teto caiu sobre a cadeira onde ele estava. Ele poderia ter morrido”, explica.
Infelizmente, seu amigo não teve a mesma sorte e faleceu há dois metros de Lelo que se machucou ao ser atingido por estilhaços na cabeça. Eles estavam em frente ao restaurante do Dim. Dois dias depois, a cidade novamente foi surpreendida, dessa vez, por uma tromba d’água que inundou e arrasou Cerquilho.
“Vários prédios foram refeitos e se fosse hoje, teria matado no mínimo 100 pessoas. Naquele tempo a cidade devia ter uns dois mil habitantes contando com os sítios, era pequeninha”, confessa.
Segundo Lelo, o prédio onde a barbearia se encontra hoje foi construído em ‘1900 e alguma coisinha’ (risos). Ele pertencia a família de um ferroviário e seu alicerce foi construído com trilhos de trem. No entanto, embora sua estrutura fosse muito forte, o segundo andar não resistiu à explosão e precisou ser reconstruído.

“A estação tinha 50 funcionários, acho que 48 eram meus fregueses (risos)”.

Coincidência do destino, Lelo foi escolhido para contar sua história no mesmo mês em que o município completa 69 anos e olha que ele tem muita história para contar sobre a cidade, em especial, sobre a Rua Dr. Soares Hungria e a estação ferroviária.
“Viajei bastante de trem. Tinha paixão por ir a São Paulo, Sorocaba, Botucatu, Presidente Prudente... Lembro que passavam vendedores oferecendo sanduíche e refrigerante durante a viagem. Quando comecei a trabalhar essa rua era de terra. Depois quando Cerquilho foi elevado a município, a primeira coisa que fizeram foi colocar pedregulhos, veio também o paralelepípedo até chegar o asfalto”, conta.
Das recordações de criança, Lelo se lembra das ruas Antônio Costa Magueta, Dr. Soares Hungria e Dr. Campos e que o primeiro bairro criado na cidade foi a Vila Pedroso. Depois vieram outros, Nossa Senhora de Lourdes, Cecap, Parque Alvorada e Cerquilho foi evoluindo.
“Quando conheci o condomínio próximo ao cemitério novo, fiquei impressionado, não imaginei que existisse uma coisa tão linda aqui. Hoje, Cerquilho não é mais aqui no centro, da pista pra lá (bairro Nova Cerquilho) tem de tudo que se possa imaginar, lá é outra cidade”, comenta.

Para o futuro...

“O que está faltando é uma boa indústria, pois tem muita ‘criançada’ sem emprego. Temos boas empresas, mas ainda é pouco [...] Por ordem médica, preciso estar no salão. Eu ainda corto cabelo, mas só o mínimo possível. Sou querido pelas pessoas e se eu for lembrado por elas assim, já está bom. Sou feliz com meus filhos, noras, genro, netos e bisnetos. Feliz do homem que tem uma mulher dentro de casa e eu tinha!”.

Texto publicado na Revista Fique em Evidência - Edição 82 - Abril/Maio 2018, escrito por Aline Oliveira - Fotos: Edson Dias e acervo pessoal.

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