Ao premiar Adele, Grammy assume preferência pelas cifras em vez da arte

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Quando Adele, a vencedora da noite do 59ª cerimônia do Grammy, decidiu que não merecia tantas vitórias sobre a grande oponente da noite, Beyoncé, a inglesa não estava usando de falsa modéstia. Ela, assim como parte do público e da crítica, observava a mais uma demonstração de conservadorismo por parte da Academia de Gravação, formada por profissionais da indústria - assim como a Academia de Artes Cinematográficas que escolhe os vencedores do Oscar.

Se público e jornalistas estavam de mãos atadas, incapazes de fazer algo além de publicar textos furiosos em redes sociais ou em jornais e sites, Adele, ao microfone, disse o que o mundo pensava. Ela e seu álbum 25 não merecia aquela penca de prêmios, como os três principais da noite de domingo, 12, dedicados a eleger a gravação, o disco e a música do ano. No fim da cerimônia, a imagem era o sorriso largo da inglesa a exibir seus cinco gramofones. A outra, que pode ser vista ao lado, é de Beyoncé, dona do histórico Lemonade, com seus dois prêmios recebidos em categorias infinitamente menores - de álbum urbano contemporâneo do ano e de melhor videoclipe. Um pecado. "A artista da minha vida é Beyoncé, e este disco, Lemonade, foi monumental", disse Adele. "Achei que seria a noite dela", completou.

A vontade de que pelo menos mais da metade daqueles prêmios de Adele fosse para as mãos de Beyoncé era tamanha que chegou-se a acreditar em um factoide de que Adele, ao quebrar um gramofone, entregaria metade da peça para a norte-americana. Dividiriam, assim, o título de álbum do ano. Algo que foi criado como piada - há registros de Adele trocando o troféu quebrado por um novinho em folha - foi levado como verdade por muita gente. Adoraríamos que fosse, mas não era.

Há tempos, o Grammy perde sua importância e relevância. Não é a primeira oportunidade desperdiçada pela Academia em premiar um trabalho que marcou época. Não é por acaso que, em 59 edições da cerimônia, só em 2017, com David Bowie há um ano morto, que ele foi votado considerado vencedor de um gramofone. Como respeitar uma entidade que não premia um dos mais inventivos músicos que já passaram por esse (e outros) planeta? A própria obra de Bowie sofreu com a esquizofrenia do Grammy. Seu Blackstar, o disco, foi eleito o melhor trabalho de música alternativa, enquanto a música que dá nome ao disco foi selecionada como melhor canção de rock.

Ano passado, o mesmo dilema foi enfrentado pelo pop quadradinho de Taylor Swift com seu disco 1989 e Kendrick Lamar, rapper com o revolucionário e dilacerante To Pimp a Butterfly. A Academia sucumbiu às estrofes facilmente cantaroláveis da ex-cantora country diante dos versos afiados de Lamar e à sua performance arrebatadora naquela noite ao subir ao palco do Grammy com grilhões nos pulsos e tornozelos. Lamar jogava na cara da academia, formada majoritariamente por homens brancos e de idade avançada, de acordo com a Rolling Stone norte-americana, que o racismo ainda existe, mata e machuca nos Estados Unidos. Taylor, por sua vez, usava o seu disco 1989 para marcar uma fase alegre e morando sozinha em Nova York.

As muitas indicações a Lamar no ano passado, contudo, pareciam apontar para uma mudança de comportamento no Grammy, como ocorreu em cerimônias como o Oscar e Globo de Ouro. Em mais uma disputa entre o pop quadradinho (de Adele) e o pop "dedo na ferida" (de Beyoncé), novamente foi preferido o jogo fácil.

Não é que o disco de Adele, 25, seja ruim. É um ótimo álbum, mas não é grande. Nem de perto relevante, artisticamente e conceitualmente, como Lemonade. Em, quem sabe, 20 anos, quantas pessoas se lembrarão de 25, um trabalho no qual a inglesa, depois de chorar por versos tão doloridos no antecessor 21, parece exagerar na tentativa de atingir a mesma emoção crível no trabalho anterior? Ela força tanto a barra que as novas lamúrias entram à força, rasgando. O choro chega repaginado por um novo time de produtores que passou a trabalhar uma nova estética para a cantora que, à princípio, usa do soul e R&B criados pela comunidade negra dos Estados Unidos. Em contrapartida, daqui a duas décadas, o que será dito sobre Lemonade? Quando, nas escolas nos Estados Unidos, os professores quiserem contar como eram as questões raciais nas primeiras décadas do século 21, anos nos quais chegavam notícias sobre policiais que assassinavam jovens negros nas ruas de um país que tinha Donald Trump ocupando o salão oval da Casa Branca, é provável que alguns deixem Lemonade tocar, do início ao fim, em seus 45 minutos e 47 segundos.

O Grammy não estava pronto para Lamar. Não estava pronto para Beyoncé. Na disputa entre as cifras e a relevância, ainda se premia aquele que vende mais, mas diz pouco. A história deve provar os equívocos do Grammy - e só nos resta esperar que isso aconteça com enquanto os artistas merecedores ainda estejam vivos, para que não se repita a homenagem póstuma a Bowie.


PRINCIPAIS CATEGORIAS

Álbum do ano
25, de Adele

Gravação do ano
Hello, de Adele

Música do ano
Hello, de Adele e Greg Kurstin

Artista revelação
Chance The Rapper

Álbum pop vocal
25, de Adele

Performance pop solo
Hello, de Adele

Performance de grupo pop
Stressed Out, do Twenty One Pilots

Álbum de rock
Tell Me I'm Pretty, do Cage
The Elephant

Performance de rock
Blackstar, de David Bowie

Música de rock
Blackstar, de David Bowie

Álbum urbano
Lemonade, de Beyoncé

Álbum de música alternativa
Blackstar, David Bowie

Álbum de rap
Coloring Book, Chance The Rapper

Videoclipe
Formation, de Beyoncé
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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