Sob objeção de potências mundiais, EUA retomam sanções da ONU ao Irã

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Apesar das fortes objeções de aliados mais próximos, o governo Trump impôs novamente as sanções das Nações Unidas contra o Irã, como anunciou no sábado. As repercussões dessa decisão, porém, não estão claras, uma vez que Washington não terá a cooperação das outras grandes potências mundiais.

Em uma declaração no sábado à noite, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, anunciou o "retorno de praticamente todas as sanções da ONU anteriormente levantadas" e, com efeito, declarou que o acordo nuclear de 2015 com o Irã não estava mais em vigor. "O mundo ficará mais seguro como resultado", disse Pompeo.

Ele também alertou que os Estados Unidos estão preparados para usar suas autoridades nacionais para impor consequências a outros países que não aplicarem as sanções ao Irã. Ele não deu mais detalhes.

Minutos após a declaração de Pompeo, o embaixador iraniano na ONU, Majid Takht Ravanchi, disse que as sanções eram "nulas e sem efeito". "O prazo ilegal e falso dos EUA já passou", escreveu Ravanchi no Twitter. Ele alertou que nadar contra as correntes internacionais só trará mais isolamento aos EUA.

Um dia antes da declaração, Reino Unido, França e Alemanha manifestaram em uma carta que as sanções - suspensas pela ONU após a assinatura do acordo nuclear de 2015 - não teriam efeito legal.

Para ressaltar sua forte oposição, os três países afirmaram na carta que trabalhariam para preservar o acordo de 2015, negociado em conjunto com EUA, China e Rússia, mesmo enquanto Washington tentava destruir seus últimos remanescentes. O governo Trump retirou-se do acordo há mais de dois anos.

"Trabalhamos incansavelmente para preservar o acordo nuclear e continuamos empenhados em fazê-lo", disse a carta, segundo uma cópia da qual o New York Times teve acesso.

Para Trump, as sanções têm um cálculo político e internacional. Ele concorreu em 2016 declarando que o acordo com o Irã foi um "terrível" erro para a liderança do país, e a jogada de sábado permitirá que ele entre no último trecho das eleições de 2020 declarando que ele o destruiu e puniu a economia iraniana, retomando as sanções que existiam antes de o governo Obama negociar o pacto.

Além disso, se o ex-vice-presidente Joe Biden vencer em novembro, a retomada das sanções complicará o restabelecimento de alguma nova versão do acordo. Biden teria de reverter essa medida, fazendo parecer que ele estaria dando uma concessão ao Irã, mesmo depois de o regime retomar partes de seu programa nuclear em reação à decisão de Trump.

Mas para os críticos do presidente, a medida destaca como seu governo fragmentou alianças e fraturou entendimentos com as super potências adversárias dos EUA: Rússia e China. Para se chegar ao acordo de 2015, foi preciso criar um entendimento entre eles. Agora, os EUA seguiram seu próprio caminho, e Rússia e China parecem prestes a retomar as vendas de armas convencionais ao Irã no mês que vem, quando um embargo a essas armas contra Teerã expirar, apesar das objeções de Washington.

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia condenou neste domingo, 20, a decisão do governo Trump e informou que as declarações de Washington carecem de autoridade legal.

'Videogame americano'

"Iniciativas e ações ilegítimas dos EUA, por definição, não podem ter consequências jurídicas internacionais para outros países", informou a chancelaria, em nota, acrescentando que a decisão americana é teatral e não corresponde à realidade. "O mundo não é um videogame americano", acrescentou o ministério russo.

"A ironia que vejo aqui é que Trump está na verdade fazendo um grande favor à ONU e ao multilateralismo, porque ao invocar o snapback (retorno das sanções), ele está mostrando que o tipo de unilateralismo desajeitado pelo qual é conhecido não funciona", disse Ian Johnstone, professor de direito internacional na Fletcher School da Tufts University.

Ele previu que as sanções não devem ser aplicadas por outros países, que as receberam com um "encolher de ombros coletivo". "Os EUA vão insistir que as sanções estão de volta, e a maioria dos outros países vai dizer,'Não, não vão'", disse Johnstone, que aconselhou Kofi Annan, o ex-secretário-geral da ONU.

Na verdade, a insistência do governo Trump em retomar as sanções originais da ONU, formuladas durante os governos Bush e Obama para forçar o Irã à mesa de negociações, significa que somente os EUA as aplicarão. Isso levantou dúvidas sobre se as sanções trarão muita, ou alguma, consequência econômica adicional aos iranianos - um diplomata do Conselho de Segurança comparou o barulho dos EUA a "puxar o gatilho de uma arma descarregada".

Funcionários da administração discordam. Em sua declaração no sábado, Pompeo criticou o Conselho de Segurança por se recusar a estender um embargo global de armas contra o Irã, que deve expirar em 18 de outubro. Somente a República Dominicana votou com os EUA, e Pompeo deixou claro que a demanda dos americanos para revogar as sanções mais amplas foram em resposta direta ao embargo de armas ter expirado, nos termos do acordo nuclear. "Felizmente para o mundo, os Estados Unidos tomaram medidas responsáveis para impedir que isso acontecesse", disse Pompeo.

'Dias de vitória'

No Irã, o presidente Hassan Rohani declarou o sábado e o domingo como "dias de vitória" para o que ele descreveu como o esforço desenfreado dos EUA para punir seu país. "Esta é uma vitória histórica para o Irã", disse ele. "Os EUA estão isolados e envergonhados."

O efeito prático das sanções - além da quebra da cortesia entre as nações - pode ser superestimado. A União Europeia tem seu próprio embargo de armas contra o Irã que não deve expirar até 2023, se a Agência Internacional de Energia Atômica determinar que o governo do Irã seguiu os termos do acordo nuclear. O embargo de armas europeu poderia ser levantado mais cedo, mas apenas se a Aiea certificar formalmente que todas as atividades nucleares do Irã são pacíficas.

Isso é improvável, depois que Israel conduziu um ataque a um armazém iraniano há dois anos, que continha planos de armas que datavam de duas décadas. E em reação à retirada de Trump do acordo, o Irã já excedeu os limites de produção de combustível nuclear, conforme definido pelo acordo com potências mundiais.

Além disso, a Aiea acusou este ano o Irã de impedir os inspetores de visitar locais suspeitos, antes que o Irã desse aos inspetores internacionais acesso aos locais bloqueados.

Até que o embargo europeu de armas seja levantado, diplomatas estrangeiros previram que empresas e o mundo dos negócios na Europa continuariam a aderir a ele - tornando as sanções da ONU amplamente irrelevantes para os aliados ocidentais.

Em vez disso, eles podem servir como um aviso para a China, Rússia e outros adversários dos EUA que sinalizaram interesse em vender armas ao Irã.

Elliott Abrams, o enviado especial do Departamento de Estado para a política do Irã, disse que as sanções da ONU deveriam obrigar as nações europeias a "cooperar estreitamente conosco como e quando virem qualquer esforço da Rússia, China ou qualquer outra pessoa para vender armas ao Irã". (Com agências internacionais)

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